quinta-feira, 19 de maio de 2011

Um Conto Primeiro.


Marina rasga os olhos na pia do banheiro, escova os dentes, enxágua o rosto apagando os sonhos de mais uma dessas noites em que se sonha. Aquece um pão na frigideira... Afinal, não é isso que se come a essa hora no mundo inteiro? Café preto pra outro dia branco, e na televisão anunciam no momento ecumênico: Pois eram aqueles tempos de fria navalha e homens “santos” mendigavam agasalhos.

Ora essa! Eis que em um dia branco e ao amargo dessa hora que precede o trabalho, me invade este senhor a pedir alento a desalentados que nem mesmo ele conhece o arredondado de suas faces?

Pois sim, apanharei o velho casaco que outrora me fora presenteado pelo amado, perdido amor farsante! Aquele que em uma noite chuvosa em lágrimas e ao fintar-me os olhos, me explicou o seu adeus: “Este é um mundo grande para alguém como eu perder meu tempo com figura apequenada como tu.”

Presentearei com igual má sorte a quem da sorte apenas conheceu o azar! E que venha o verão!

Girando a chave, apertando botões no elevador, cruzando as pernas... Lá vai Marina rumo ao planeta produção, momento a deparar-se com hierarquias, conversas vazias e as costumeiras mazelas criadas ao benefício daquela outra sociedade equivocada. Frente a seu edifício, ela atira o velho trapo em uma caixa de papelão.


Do pálido da noite ao anil da manhã e agora ao prateado dos baldes vomitando água frente aos vitrais. Acorda vagabundo! Grita o segurança. É mais um dia de comercio e gurizada frente às vitrines, e suas faces escaveiradas, não hão de surtir belo postal em nosso nobre mirante.

Escorrem os panfletos, escorrem as bitucas de cigarro, escorrem os cães, escorrem as crianças. Afinal, água e sabão estão sempre a purificar de tudo, não é mesmo?

Rua a baixo, vai escorrendo Jebedias, e aos brandos passos, vai imaginando os meios que o levarão a aplacar a fome, companheira tão fiel nesses sete anos de sua existência, deve-se tratá-la muito bem.

Pão pra matar a fome. Afinal, o que será que se come a essa hora no mundo inteiro? Água aniquila a sede, porém, embrulha o vazio do estômago e ainda levam horas até que este dia não vira a metade deste mesmo dia.

A fumaça dos coletivos anunciam, é chegada a noite. E sob vultos, transeuntes, olhares imundos e os costumeiros insultos dos vagabundos na calçada, escorrega Marina de volta a seu lar. De volta a seu quarto, seus posteres e suas estrelas de rock falidos, a televisão e seu velho mundo de sorrisos amarelos e telenovelas vendendo novos sonhos a serem rasgados na pia na próxima manhã.


Frente a seu edifício, um casaco 100% algodão.