segunda-feira, 25 de março de 2013

Um Conto Sobre a Morte da Bezerra






Um Conto Sobre a Morte da Bezerra

Nota de Falecimento – É com profundo pesar que informamos o falecimento dessa bezerra, ocorrido em data desconhecida, porém relevante, sabe-se que a mesma cultivou sonhos e partiu afundada em ilusões. Sabe-se também de sua profunda batalha, visto problemas emocionais e financeiros cravados no seio de sua família, pois, é do saber comum, há muito que sua genitora (a vaca), findou-se em profundo brejo.

Seu pai que nunca foi um boi de muita fé, fatigado no estigma em carregar tamanhos chifres, afundou-se na vida ébria deixando esposa e filhos em um ato covarde, saltou a cerca. A Bezerra, por sua vez, dedicou sua vida às causas vegetarianas travando brava luta à indústria alimentícia e a pecuária global. Relutante às tradições, ela insistia que a vida deveria ser mais que o costumeiro regurgitar por longas tardes vazias em vastas pastagens.

Uma revolucionária vislumbrava o dia em que suas companheiras não mais fossem submetidas à escravagista ordenha diária, servindo o sumo de sua essência aos ditos, “seres dominantes”, conhecidos por caminhar de pé. E com profunda bravura, nossa heroína ergueu bandeiras ruralistas rumo à cidade, chegando a discursar, de praças às grandes emissoras de TV e na rádio nacional.

E ainda com seu mugido ecoando em nossos corações, vibrante no seio das massas, lamentamos informar sua partida. A Bezerra foi encontrada morta em um beco comum. Como a causa da morte e exatidão do momento permanecem desconhecidos, sua partida ainda é motivo de tamanha controversa.

Há os que afirmam que sua batalha rendeu-lhe inimigos na máfia, outros que nada passou de mais um caso de dependência química e que a mesma já havia sido notada com resquícios de leite em pó. Até mesmo a quem divulgue, na imprensa marrom e mídias não confiáveis, que apesar de suas ligações políticas e natureza contestadora tudo não teria passado de mais um mero caso de coração partido.

E onde quer que habitem os bons corações, esperançosos e confiantes na luta pelas causas justas, lá estarão aqueles que não esquecem. Nobres almas relutantes em refletir sobre a triste morte da Bezerra.


Renan Santana.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Memórias de um mundo, e um fim do mundo.

Vem do azul, limiar desse dia, vem o amarelo dependurado nessas arestas. Relampeio de gente, transeuntes de concreto espremidos em suas mais belas caixas a motor. E descobri enfim, os que buscam respostas ainda são os mesmos que não fazem perguntas. E para onde iriam tantas indagações se a elas houvesse um destinatário? E os que transmutam cores no branco e preto, seriam cães correndo em círculos, perseguindo o próprio rabo como quem busca no ontem um caminho ao agora?

Vermelho, crepúsculo de vida, suor escorrendo, a face encolhida, é tempo de recolhimento. Sabor de silêncio na rua à espera da melhor oferta ao caminho de casa. Dorme a noite, serpenteio de estrelas e emissores de radiação, é cômoda a vida no novo mundo. Amanhã é anil e depois de amanhã outro anil, tempos de anil.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"A vida é sonho" - Pedro Calderón de la Barca



Ai mísero de mim! Ai, infeliz!

já que me tratas assim
que delito cometi
fatal, contra ti, nascendo?

Descobrir, oh Deus, pretendo,
Mas eu nasci, e compreendo
que o crime foi cometido
pois o delito maior
do homem é ter nascido.
Só quereria saber
se em algo mais te ofendi
pra me castigares mais.

Não nasceram os demais?

Então, se os outros nasceram,

que privilégios tiveram

que eu não tive jamais?

Nasce uma ave,

jóia de tanta beleza

e é flor de pluma e riqueza

ou bem ramalhete alado

quando o céu desanuviado

corta com velocidade

negando-se à piedade

do ninho que deixa em calma:

e por que, tendo mais alma,

tenho menos liberdade?

Nasce a fera, e muito cedo

a humana necessidade

ensina-lhe a crueldade,

monstro de seu labirinto;

e eu, com melhor instinto

tenho menos liberdade?

Nasce o peixe e não respira,

aborto de ovas e lamas,

é apenas barco de escamas

quando nas ondas se mira

e por toda parte gira

medindo a imensidade

de sua capacidade;

tanto lhe dá o sul ou norte.

E eu que sei da minha sorte

tenho menos liberdade?

Nasce o riacho, serpente

que entre flores se desata

e como cobra de prata

entre as flores se distende

celebrando a majestade

do campo aberto à fugida.

Por que eu, tendo mais vida,

tenho menos liberdade?

Em chegando a esta paixão,

num vulcão todo transfeito,

quisera arrancar do peito

pedaços do coração;

que lei, justiça ou razão

recusar aos homens

nobre privilégio tão suave,

licença tão essencial

dada por Deus ao cristal,

a um peixe, a uma fera e a uma ave?

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Brasileiro gosta muito de praia.


Um texto escrito de migalhas, assim deveriam ser todas as linhas nessa nossa nobre nação que almeja sediar uma copa mundial em14. O fato é que continuamos os mesmos e a dita “mudança,” tão citada nas mídias televisivas parece sonho tão distante quando nosso vago desejo de redenção. Noventa e seis anos passados desde a seca do quinze, período em que foi criado

o primeiro campo de concentração brasileiro. Sim, meus caros, um campo de concentração para flagelados que deixavam suas “casas” no sertão e que na ilusória busca de comida e água, carregavam suas caveiras à nobre cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará.

E para que essas figuras não atormentassem a sofrida população urbana, nobre classe média cearense e privilegiados com a vista do mar, levantou-se em Alagadiço (norte da capital), o conhecido Curral do Governo, apresentado ao povo como um campo de alimentação e tratamento dos famintos, essas paredes guardaram nada mais, nada menos que oito mil vidas que encarceradas definhavam sob os olhares de guardas armados e também mal alimentados. Parece-me de fato que brasileiro gosta mesmo de praia e principalmente de limpar seus litorais. Mas não pensem que a situação era assim tão dura, pois, é também fato citar que nem todas essas “figuras incômodas” perderam suas vidas no curral de gente, enfiados em vagões de um trem, muitos deles não suportavam a viagem e eram atirados pelo caminho, com ou já sem vida, diferença não fazia. Importante mesmo era ter a certeza de que nenhum retirante alcançasse as capitais, Recife, Fortaleza ou qualquer outro desses nobres paraísos reservados a um público selecionado e não muito diferente dos dias de hoje. Ou você realmente acredita que terá cadeira cativa nas disputas de bola em 2014?

E varrendo os ocorridos, me deparei com a reprise de uma novela sendo exibida durante mais uma dessas longas tardes de sol. Em uma cena a atriz dizia: “Vou ao piscinão de Ramos, onde cada mergulho é um flash!” Interessante de se imaginar, pois essa mesma emissora exibia em 1992 as queixas de pessoas que gritavam sua indignação referente à criação destas áreas de convívio na zona norte do Rio de Janeiro.

Lembro-me bem deste período, pois foi a primeira vez em que ouvi falar no termo “segregação espacial,” e confesso que não fazia idéia do que isso queria dizer. Pois bem, zapeando o youtube descobri um documento especial exibido em 1989, nele retratavam as dificuldades que a população “favelada” carioca sofria quando resolvia ir visitar as famosas praias da zona sul.

Após uma longa viagem de trem, completamente espremidos e sorridentes, essas pessoas enfrentavam uma segunda viagem, porém agora, espremidos em coletivos e ainda sorridentes.

Afinal, quem não quer vislumbrar o paraíso de perto? Interessante também foi verificar a profunda insatisfação relatada pela então classe média quanto ao fato. É isso aí meus caros! A bela classe mais uma vez! Ou será que vocês realmente iriam achar que a garota de Ipanema estaria gostando dessa situação? Mais uma vez me ocorreu, brasileiro gosta mesmo de preservar suas praias. E criou-se o piscinão, área situada na zona

norte, bem distante do cartão postal, local onde os pobres poderiam se divertir, fazer farofas, enfim... Viver suas vidas longe do desconforto em ter que cruzar com a bela área nobre da cidade. Ou vocês preferem outro campo de “convívio”?

Para a construção do piscinão de Ramos, o chão foi revestido com uma camada de polietileno e com capacidade para 30 milhões de litros água. Em volta tem calçadão, ciclovia e quadras esportivas. Até palmeiras da Costa do Sauípe foram trazidas para embelezar. E daí eu

lhes pergunto, e qual terá sido o impacto ambiental causado nessa obra?

É meus caros, tendo em vista toda essa situação, uma única idéia me vem à cabeça nesse momento, brasileiro gosta mesmo de praia e é capaz de horrores afim de preservá-la.

Pense um pouco nisso na próxima vez que desejar dar uma bandinha no Rio de Janeiro, ou até mesmo regozijar-te das belezas litorâneas deste nosso país.


Os Pobres vão à praia:

http://www.youtube.com/watch?v=FZry3YxPL0Y


Seca do quinze:

http://www.fatoexpresso.com.br/2011/03/16/campos-de-concentracao-no-ceara-mais-crueis-que-a-seca/